Opiniões

“Sei Porque Canta o Pássaro na Gaiola” de Maya Angelou

Autora: Maya Angelou
Editora: Antígona
1ª Edição: Setembro de 2017
Género: Autobiografia
Páginas: 302

Temas:
racismo, segregação, feminismo, família, religião, violência sexual, autodescoberta;

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Sinopse

«Grandioso livro de memórias, Sei porque Canta o Pássaro na Gaiola (1969) é uma poética viagem de libertação e um glorioso bater de asas num mundo opressivo.
Este relato inspirador da infância e da juventude da autora, nos anos 30 e 40, devolve-nos o olhar de uma extraordinária criança sobre a violência inexplicável do mundo dos adultos e a crueldade do racismo, na procura da dignidade em tempos adversos.
Do Arkansas rural às cidades da Califórnia, Maya Angelou traça neste livro um tocante retrato da comunidade negra dos Estados Unidos, durante a segregação, e de uma consciência que, incapaz de se resignar, desperta rumo à emancipação.
Um clássico americano que marcou gerações e que conserva toda a sua actualidade.»

Avisos de Conteúdo: racismo, violação, violação de menor, pedofilia, abuso sexual, violência, violência doméstica, morte, tortura;

Apreciação

Capa: ★★★★★
Edição: ★★★★★
Escrita: ★★★★★
Argumentação: ★★★★★
Responsabilidade: ★★★★★
Apreciação Geral: ★★★★★

Opinião

Desde que iniciei o meu percurso na literatura anti-racista que soube que Maya Angelou era uma paragem obrigatória, por isso aproveitei o embalo do meu desafio literário Ler a Diferença e o mês da Dignidade Racial para, finalmente, pegar na sua biografia.

As primeiras páginas introduzem-nos no ambiente segregacionista dos Estados Unidos dos anos 30, quando ainda perduravam as leis Jim Crow, destinadas a manter vivas as relações de poder do tempo da escravatura. A ação divide-se entre a pequena povoação de Stamps, no Sul, onde Angelou e o irmão Bailey vivem com a avó e o tio, e na California, para onde se mudam mais tarde para ir viver com a mãe. Nesses dois cenários conseguimos ter uma percepção da forma como as dinâmicas racistas oscilam de lugar para lugar, mantendo-se sempre presentes em todos os espectros da existência da autora.

«Em Stamps, a segregação era tão absoluta que a maior parte das crianças negras não sabia, de todo, qual era o aspecto dos brancos. Sabia apenas que eram diferentes e que lhes infudiam medo, e nesse medo estava incluída a hostilidade dos impotentes para com os poderosos, dos pobres para com os ricos, do trabalhador para com o patrão e dos andrajosos para com os bem-vestidos.»

A escrita é frontal e incontrita. A autora empenha-se em contar a sua história, crua e honesta, sem qualquer intenção de eufemizar as suas experiências, manifestando, ainda assim, alguns resquícios da sua alma de poetisa em algumas das suas descrições e reflexões, a que a brilhante tradução de Tânia Ganho faz justiça. Algumas cenas chegam a tornar-se um desafio de tão pesadas, outras deslizam pelo olhar com tanta naturalidade que quase nem damos por elas. Ao longo de todos esses relatos, Maya Angelou revela o seu espírito aguerrido, incapaz de se resignar à miséria que lhe é imposta, e vemo-la florescer no seio da adversidade. Achei interessante acompanhar o despertar da sua consciência para a realidade do preconceito racial e da sua posição na sociedade como mulher negra. Durante o processo, a autora desafia os papéis que lhe eram atribuídos, relegando o racismo, que se presumia central, a mero pano de fundo do seu incrível percurso de auto-descoberta e resistência.

A força da mulher negra vem representada neste livro através não só da autora, mas das personagens da mãe e da avó, mulheres obstinadas e sempre inflexíveis às tentativas de subverter o seu valor, não apenas como mulheres negras, mas como seres humanos. 

Foi uma leitura pesada, mas inebriante. Senti-me acolhida pelo sentimento de comunidade que a autora transmite nos seus relatos e aprendi tanto que, quando cheguei ao fim, quase senti que era outra pessoa. Maya Angelou é uma inspiração e um testemunho da força e resiliência da identidade negra, armas nunca subservientes ao sistema que, constantemente, nos tenta derrubar. Não tenho dúvidas de que este será um daqueles livros de que irei falar pelo resto da minha vida. 

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