Opiniões

“O Avesso da Pele” de Jefferson Tenório

Autor: Jefferson Tenório
Editora: Companhia das Letras
Publicação: Abril de 2021
Género: Ficção
Páginas: 194

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(Este livro foi-me oferecido pela editora)

Sinopse

«Agora que o pai morreu, inesperada e precocemente, Pedro tem pouco mais a que se agarrar senão aos ensinamentos e às memórias deixadas pelo pai, professor de Literatura na rede de ensino público. E homem negro, num país que julga os homens e as mulheres pela cor da pele. Esvaziado pela ausência, Pedro retraça os passos de Henrique nas ruas, procura vestígios seus nos pertences deixados no apartamento. Reduzido por vontade da mãe a uma relação intermitente com o pai, resta a Pedro a possibilidade de reconstruir ou imaginar o passado de Henrique enquanto homem, enquanto pai para, pelo caminho, procurar o entendimento de si próprio. Nesta rota íntima de Pedro, Jeferson Tenório faz uma delicada investigação das relações entre pais e filhos, ao mesmo tempo que esboça um retrato poderoso de um país sulcado pela segregação e pela pobreza, em que muitos não podem mostrar por vezes, nem sentir o seu avesso, esse espaço onde “entre músculos, órgãos e veias existe um lugar só seu, isolado e único”.»

Avisos de Conteúdo: racismo, violência policial, violação, violência doméstica, relacionamento abusivo, abandono, abuso de drogas;

Apreciação

Capa: ★★★★★
Edição: ★★★★★
Escrita: ★★★★★
Enredo: ★★★★★
Personagens: ★★★★★
Responsabilidade: ★★★★☆
Sentimento: ★★★★★
Apreciação Geral: ★★★★★

Opinião

Que livro. Em pouco menos de 200 páginas, Jefferson Tenório conseguiu criar uma narrativa impactante, marcada pela escrita intimista e pelas temáticas fulcrais que o autor desconstrói através de diferentes personagens. Cada uma delas, nomeadamente, o pai e a mãe do narrador, submerge o leitor em duas realidades que expõem o lado mais visceral do ser humano. É uma história sobre identidade, racismo e relações.

«Eu queria apenas brincar e ser como os outros filhos eram com seus pais. No entanto, agora eu sei que você estava me preparando. Você sempre dizia que os negros tinham de lutar, pois o mundo branco havia nos tirado quase tudo e que pensar era o que nos restava.»

Foi um daqueles livros em que se mergulha de cabeça, que nos prende a atenção logo na primeira frase e que alimenta uma sensação de aperto no estômago que se vai intensificando ao longo dos capítulos, até culminar numa explosão de emoções férvidas que nos deixa completamente abalados. A escrita é pessoal e intimista, próxima ao discurso oral, o que nos aproxima muito do narrador e das suas emoções. Achei muito interessante a narração na 2ª pessoa. A linha cronológica segue as várias fases da vida dos pais do narrador, ambos negros, esmiuçando uma jornada de sobrevivência e resistência à sociedade racista que se recusa a aceitá-los como seus integrantes. São relatos comoventes e revoltantes, sobretudo por espelharem tanto daquilo que é a nossa triste realidade.

A ambientação em Porto Alegre, no Brasil, é imersiva, tanto do ponto de vista geográfico como sociológico, e as descrições, sempre diretas e sem grandes floreados, criaram uma imagem muito vívida da cidade na minha cabeça. Além da temática do racismo estrutural e da violência policial, o livro debruça-se muito sobre as relações humanas, sobretudo aquelas em que o historial de afetos é tão manchado que se tornam tóxicas.

Um daqueles livros para ler de uma assentada de tão delicioso e envolvente que é. Faz-nos refletir e deixa-nos com as emoções à flor da pele. Não tenho a menor dúvida de que nunca me cansarei de o recomendar.

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