Autor: Nuno Gomes Garcia
Editora: Manuscrito
Publicação: Janeiro de 2021
Género: Distopia
Páginas: 278
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(Este livro foi-me oferecido pelo autor)
Sinopse
«Em Ínsula, uma ilha perdida algures no Mediterrâneo, os estrangeiros são inimigos, a procriação é uma missão patriótica (e, por isso, todas as mulheres são obrigadas a ter pelo menos dois filhos), a pena capital foi reinstaurada e a Internet foi substituída por uma Intranet insular.
Naquele que parece ser um regime político verdadeiramente democrático, a vida do primeiro-ministro é acompanhada por câmaras 24 horas por dia, para garantir a total transparência do poder, e são os cidadãos que decidem o futuro do país, sentados no conforto do sofá, através de referendos online. em 2034, está na mão dos eleitores dar luz verde à decisão de construir um muro e expulsar de vez todos os imigrantes.
Só que o passado insiste em perseguir-nos e o desígnio traçado trinta anos antes por uma criança está prestes a cumprir-se: as pessoas estão a desaparecer e, para trás, deixam um único rasto, um pedaço de papel onde se lê Parti para Zalatune.
O que está a acontecer?
Para onde vão as pessoas que desaparecem?
Estará a existência de Ínsula condenada?
Numa trama viciante, Nuno Gomes Garcia apresenta-nos uma história que combina mistério, conspiração política, ódio visceral e ainda um amor proibido entre duas pessoas que deveriam detestar-se.»
Avisos de Conteúdo: incesto, descrições gráficas, linguagem obscena, violência, violação, tortura, mutilação genital, xenofobia;
Apreciação
Capa: ★★★☆☆
Edição: ★★★★☆
Escrita: ★★★☆☆
Enredo: ★★★☆☆
Universo: ★★★★☆
Personagens: ★★★☆☆
Responsabilidade: ★★☆☆☆
Sentimento: ★★☆☆☆
Apreciação Geral: ★★★☆☆
Opinião
Já tinha este livro debaixo de olho desde a época do seu lançamento, no início do ano, por isso, quando o autor me contactou para me enviar um exemplar, fiquei louca de entusiasmo. O que me cativou logo ao início foi o universo, a concepção de uma sociedade totalitária cujo sistema político assentava numa plataforma digital que permitia que os cidadãos acompanhassem o dia-a-dia do Primeiro Ministro, pelas câmaras que o seguiam 24h por dia, e tomassem as grandes decisões através de um sistema de voto virtual.
«Ínsula foi o unico país do planeta a não ser atingido pela pandemia e, como vários estudos o comprovam, o segredo está na genética (…) É por isso fulcral impedir a procriação mista (…) E respondendo à sua pergunta: sim, do meu ponto de vista, que é o ponto de vista da genética, o povo de Ínsula é superior a todos os outros.»
O autor introduz-nos em Ínsula, uma nação que após sobreviver a uma pandemia de escala global, decidiu fechar as fronteiras e expulsar os estrangeiros de forma a proteger a “pureza” dos seus genes, que acreditavam ser superiores. Esta convicção é a porta de entrada para uma miríade de outros temas recorrentes da atualidade, como a xenofobia, corrupção, o crescimento discreto das ideologias de extrema-direita, manipulação dos media e das redes sociais, questões ambientais, entre outros. Gostei muito da forma como estas questões foram transpostas para o universo do livro, cada uma delas encaixando de forma harmoniosa no retrato de uma sociedade que caminha, lentamente, para a sua própria destruição.
Senti que o autor tentou espremer ao máximo o potencial do universo, expandindo a sua essência para além do habitual, impregnando-a sobretudo na escrita e nas personagens. A escrita, que acompanha o tom sombrio da obra, combina um registo formal e objetivo, e alguns termos técnicos, com um registo mais popular, em que predominam o calão, palavrões e uma linguagem mais agressiva. Ao início achei uma boa tática para manter a tensão e aquele sentimento de alerta, mas com o avançar das páginas perdeu o efeito. O autor não poupa nas descrições gráficas e pesadas, por isso, para um leitor mais sensível, talvez se torne desafiante. As personagens desenvolvem-se neste mesmo ângulo, pungentes e impiedosas no papel que desempenham na história. As personagens femininas são retratadas de forma extremamente hiperssexualizada, o que, confesso, ao início me incomodou, mas com o avançar da história consegui integrar essa abordagem no mosaico de críticas que o autor tece à sociedade e que tão bem caracterizam o universo de Zalatune. Houve, talvez, uma tentativa de transmitir um retrato de liberalismo corporal e emancipação feminina, no entanto, todas as descrições refletiam uma visão tipicamente masculina e limitada da mulher e da forma como esta vive a sua sexualidade.
O que, para mim, estragou a experiência foi a falta de equilíbrio entre a exposição do universo e o desenrolar da ação. O estilo do autor inclui uma exuberância de analepses, destinadas a imergir o leitor na história política daquela sociedade, mas que se sobrepõem ao enredo e tornam a leitura maçante. A certo ponto, senti que estava a ler um manual de história mais do que uma distopia, não sei se pela objetividade da escrita se pela ausência de ritmo narrativo. A narrativa é fragmentada pelos pontos de vista de várias personagens que, apesar de também permitirem uma visão mais alargada do universo, por serem também predominantemente compostos por retrocessos temporais, acabaram por prejudicar a gestão da tensão e do meu interesse.
Entendo agora porque há uma discrepância tão grande de opiniões em relação a este livro. Não é um livro fácil de gostar. Valeu a pena pelo universo, que não me canso de dizer que achei genial, mas que não foi o suficiente para sustentar toda a história.
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